quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Galway Kinnell - Os sapatos de errância (cont.)



4

As árvores testemunha
enchameiam-se uma última vez: a estrada
treme mal começa através
de terras pantanosas matizadas de águas brilhantes, um ido-
vento frio toca-me
ao longo do meu corpo,
certas células cerebrais estalam como um tronco de madeira num fogo imenso
ou morrem,
cada passo um choque,
uma planta do pé estilhaçada por espelhos fartos da comichão
dos nossos malares debaixo das suas peles,
enquanto a memória apela
e assenta mãos sangrentas no futuro, os sapatos
assombrados erguem-se e caem
através da poeira, asas de pó
elevam-se ao seu redor, enquanto descem
as ondas cerebrais da estrada temporal.


5

Será o pé,
o qual esfrega a calçada
e pedras-de-víbora todo o dia, a mais humilde
das línguas, cujas lambidelas contam
a nossa história de erros ao pó nas nossas costas,
a qual é o último traço de asas
em nós?

E será
o pesadelo da galinha, ou o seu sonho secreto,
arranhar o chão para sempre
comendo os minutos pelos grãos de areia?


in Galway Kinnell, The book of Nightmares, Boston & New York, Houghton Mifflin Company, 1971: 21-22.

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