sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Lamento de Filoctetes

coxeio pela vida         mas dêem-me
um alvo e de coração aberto
                                           entre a baixeza das nuvens em visita
acerto com as flechas do pensamento

minto         estou perdido
no meu exílio         isolado na ínsula
que         perdoa donne         sou

coxeio pela vida         apoio-me nas coisas
sem as palavras justas
o justo olhar perfurante
sigo por ela a contracorrente
sem compreender o que diz quem me fala
escutando surpreso o que falam sem nada dizerem

fui enganado         trocado         largado
e posto fora do bando         calcorreei assim
a margem das decisões sobre a minha vida
a solidão floriu como um vírus
e de todo o meu corpo exalo
uma tristeza pestilenta         conhecida
apenas pelos abutres hienas e
os moribundos         por quem eles e elas esperam

vejo no pleno horizonte vertical
quantas cartas         lembranças         promessas
exibições de amizades se faz o novo mundo
aqui as garrafas estão vazias e a um canto
– chamo-lhe instalação nos meus dias
intelectuais – enchendo-se de pó – noutros
minha cidade de cristal para o reino dos insectos –

tal como a essa outra penélope os barcos deixaram
de fazer escala à minha porta e janela
partilho com ela a mesma dúvida

coxeio então pela vida         foi o ganho
na batalha pelo amor e a beleza
o coração         hoje         destila fel e pus
talvez um dia         sabendo-me enganado
volte a essa guerra e os meus poemas
                                                         flechas embebidas no meu sangue
te atinjam inesperadamente e te dignes
a caminhar a meu lado         nus

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