domingo, 6 de março de 2016

A escrita do amor por entre quartos e corredores

1.
é sempre um retorno à memória que aqui me traz
o debater de uma imagem vibrando de afectos
soltando-se da sua rede até tomar conta do espaço
em que habitas dentro do meu peito

lá fora trovejava como as despedidas nos corações
e segurando entre mãos o teu rosto pelos teus lábios
rodava a língua – são estas ou outras
palavras perdidas que me visitam no empoado espelho
onde te refletes e nada foi nada terá sido e amarrado
pelo ouvido Ulisses se ilude e somente sofro uma recaída

neste vício da escrita – a cama revolta e olhos
fechando-se para o dia antes da partida de Abril
lembro ainda como as mãos enovelando-se
desteciam dedo a dedo a tremura
do teu corpo – por ele subia
uma onda rebatendo pelas falésias que são as gargantas
emudecidas e era o teu nome com raiz de estrela que soçobrava
todos os outros nomes que tornaram o meu rosto uma espera
e a pele uma escrita oferecida à vida e ao toque do teu corpo

e assim crava-se fundo a tua imagem
como a adaga de um terrível amor
no anonimato antropófago dos lençóis
e escrevo tarde e a tinto a letra para encurtar
a distância entre o oeste onde o mar
murmura justo à cama ao centro da planície onde
avanças como uma vanguarda abrindo caminho ao futuro
(o meu o teu por vir) enquanto me alapo às tuas costas
seguindo as tuas pegadas que se afastam

a vida que tento numa escrita permanece
desconhecida é só mais um tijolo na muralha
de papel um nome no barro onde os dedos mergulham
misturando memória imagens o gosto
(escreve escreve) de cifrar um mundo
ligando palavras ou vidas como tu por exemplo
tu e a cicatriz na palma da mão os desgostos aluados
sob o olho e tu a ruga ao canto da boca e tu de novo
e tu (sendo agora eu a mim que falo) jazerás na fronteira
anónimo onde nunca teu nome na muralha de papel terra de pó

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