sábado, 27 de fevereiro de 2016

De Berlim a Lisboa XII

Lisboa, Sesimbra

tanto foi o desejo e a espera para chegar
a esse lugar que em nós foi a idade do ouro
e o romance que nos enlevou nos nossos primeiros dias
nesta cidade e depois a vila e casa e aqui chegados
o frio e o cinzento que fundam a solidão do inverno
acobardaram o sol que nos ardia e a memória ainda vibrante
esse vírus que nos consome sempre um pouco mais os restos
de uma sacralidade que nem o cínico escapa de procurar proteger

estávamos ambos desgastados desta dupla viagem
foi afinal meia europa cruzada para oeste por terras
montes planícies e rios e várzeas e pântanos e terrenos
florestas e campos silvestres entre o lado da montanha
e o lado do mar e tantas variações de cores vidas línguas
chuva vária grossa miúda pontuada vaporosa
sol abrasivo ou oculto apanhado nos olhos que se fechavam
ou no dorso onde as mãos aconchegavam as vértebras

céu aberto ou nubladamente coberto ou rasgado por milagres
enquanto por dentro tudo se aprofundava e se fazia mais longínquo
vinte e poucos dias dobrados no tempo duro vertiginoso de uma queda
tendo também nós as nossas paragens em lugares diferentes
numa outra europa noutras cidades do mundo
continentes da nossa mais interna geografia
espaços que eram o sentido da proximidade gravítica do outro
ou cavando uma distância que a mão tocando a do outro não encurtava

outras vezes ainda esbatendo o corpo num território como só a dança
de estrelas ou buracos negros com suas poeirentas extremidades
seus limites estelares aliados num abraço numa nova entidade no imenso
universo poderia dar uma imagem que ainda falha a sua representação
mas aqui conheci a breve loucura amámo-nos e odiámo-nos com a subtil brutalidade
das palavras pedras imateriais provando a real porosidade da pele
fomos estranhos e estrangeiros a familiares e amigos mais presentes
quando aqui não estávamos e nos cobravam a ausência em gramas de saudade

tudo ou quase se eclipsou e fez-se silêncio nas nossas bocas e cegaram-se os olhos
ao choro pela exaustão da fala e da escuta deprimida pela desilusão
tornando-nos ainda mais impacientes aos gestos amorosos às solicitações e apelos
para arredar o estupor ensombrecendo-nos experimentámos caminhar para escapar
ao isolamento de uma estância balnear empobrecida e irrecuperável e só acolhendo
as ondas ao longo das dunas da lagoa de albufeira ou do meco e um castelo que aguarda
o nosso casamento para quando todos em melhores dias a par dos nossos sonhos
porque por aqui tudo se perdeu e nos ocámos com a frustração desfigurando-nos

e exaustos pela aventura corrida ao gosto do vento sem plano e guia
perdidos ao tempo e durações embatendo contra a realidade e o carro noutro
fomos tomados por um turbilhão de sentimentos e caímos desamparados
cada vez mais dentro e ninguém viu ou vê ainda nem um ao outro até já estarmos
cada um próximo do ponto sem retorno mas que nos resta senão uma louca
crença de que o amor e com ele o futuro nos dará com que rir
quando tudo relembrarmos um ao outro coincidindo finalmente os mapas
e as vias dos encontros e desencontros desta vadiagem marcados nos nossos rostos

nunca é tarde afinal para uma decisão e o tempo sabemo-lo é volúvel e dúctil
a temer só temos o que é interno isolando-se até ser intransponível e calado
não é o momento que vale a pena antes a provocação em cada agora
para o acontecimento de um e do outro e do que nos une e vai para além de nós
ainda aqui estamos e ainda tentamos para lá de todas as distâncias que nunca faltarão
e os lugares que nos prendem de si não escapam só pela imaginação mudam
eu e tu e tu somos nódulos de linhas cruzadas ligando uns e outros e tempos e espaços
até ao adeus o silêncio ou de tal forma enrodilhados que só resta esperar o beijo da aranha

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